sábado, 16 de abril de 2016



Lídia Maria Augusto Diogo, nasceu em Lisboa.

1.      Licenciada em Ciências da Educação pela Universidade de Pádua (UNIPD)
2.      Mestranda em Ciências Humanas e Pedagógicas pelo FISPPA (Departamento de Filosofia, Sociologia, Pedagogia e Psicologia Aplicada) da UNIPD
3.      Educadora sócio-ambiental; formadora profissional
4.      Membro Rede WEEC Itália (World Environmental Education Congress)
5.      Âmbitos de estudo: Educação Ambiental e para a Sustentabilidade; Educação Cientifica e Educação nos Museus; Educação Social

ENCONTROS COM A FILOSOFIA                      Março 2016


Título:

            Questionar, pensar, partilhar significados. Promover a participação na defesa do espaço             público e do ambiente através da Educação Ambiental e para o Desenvolvimento             Sustentável?


            Pensar a defesa do espaço público e do ambiente induz a preocupações conceituais nos domínios da participação, desenvolvimento (local e global), sustentabilidade e ambiente. Um ponto de vista possível, e talvez necessário, na abordagem de tais conceitos é o da educação. A essa se tem vindo a atribuir, cada vez mais, a tarefa de preparar, encaminhar e guiar a formação duma cidadania ativa e participativa, isto é, capaz de incidir nas decisões de forte compromisso social; de estabelecer parcerias e sinergias; de gerir de forma partilhada capacidades e recursos contextuais ao próprio território; de auto-organizar-se na assunção de responsabilidade face aos problemas. De outra forma, ou seja, na ausência duma real participação dos cidadãos nas esferas de tomada de decisão, as efetivas transformações (económicas, sociais, políticas, culturais) necessárias a um bem-estar coletivo dariam lugar apenas a um consenso (des)informado às políticas públicas, desse modo, “impostas” pelas esferas dos poderes dominantes.
            Ora, trata-se aqui duma ideia de participação que, em nosso entender, pode dar-se quase exclusivamente se sustentada por um percurso educativo especifico, seja esse de carater formal (escolar) ou não-formal (organizações não-escolares estatais, privadas e associativas). Pensar então o papel da educação na formação duma cidadania critica e participativa relativamente ás questões ambientais passa também por refletir sobre a natureza de alguns aspetos da especificidade pedagógica do âmbito educacional chamado a intervir neste campo recente e complexo. Para tal, iremos aqui considerar a Educação Ambiental (EA) e a Educação para o Desenvolvimento Sustentável (EDS) que, não sendo as únicas implicadas em tal processo, nesse assumem contudo um papel fundamental.
            Não sendo possível, nesta breve contribuição, considerar as várias dimensões que tecem o complexo tecido da identidade das mesmas, optámos aqui por centrar apenas alguns aspetos da dimensão metodológica de tais propostas educativas. Para tal, considerámos a perspetiva do quadro internacional e institucional da UNESCO para a Educação para o Desenvolvimento Sustentável (EDS) no âmbito da recém concluída Década 2005-2014 para a EDS. À conclusão destes anos dedicados à implementação e dinamização planetárias da EDS, a UNESCO, assim como 76 representantes ministeriais de estados membros da ONU e inúmeras instituições internacionais públicas e privadas, representando cerca de 150 países, reafirmaram: a centralidade da educação para se alcançar um desenvolvimento sustentável; a necessidade duma educação de qualidade e para todos, cuja ideia de qualidade se liga intimamente àquele de participação efetiva dos cidadãos e evidenciaram o papel fundamental da dimensão metodológica das propostas educativas na promoção de tal fim.

            Sabemos como hoje, mais do que nunca, a educação nos vários âmbitos em que se desdobra (educação ambiental, para a cidadania, para a paz, para o desenvolvimento sustentável, e muitos outros) vem sendo investida por uma forte conotação ideológica. No âmbito do que aqui debatemos, vemos como os desafios que nos colocam as condições ambientais globais tornem amplamente partilhada a importância duma transformação ética e axiológica para a realização do muito auspiciado e controverso Desenvolvimento Sustentável. Faz-se leva na necessidade de mudança do paradigma cultural dominante que sustém o estilo de vida das sociedades ocidentais (e não só), ainda assente em modelos de consumo e de produção irracionais e, consequentemente, em formas de exploração dos recursos naturais (mas também social) insustentáveis para o equilíbrio dos ecossistemas da Terra.[1] Multiplicam-se os apelos da sociedade cientifica e civil para uma ação comum que impeça ou desacelere a rápida perda de biodiversidade e da segurança alimentar, a contaminação dos solos e da água, entre outros fatores de risco como todos os que estão ligados às alterações climáticas. Inverter ou mudar de rota é imprescindível e nesse sentido alcançam-se “compromissos” e acordos internacionais prometedores por parte de governos e decisores políticos internacionais. Mas não chega. Novas competências se tornam necessárias por parte de todos os cidadãos para responderem de forma consciente e responsável aos novos desafios.
            Incumbida da nova missão será a EA que nasce no inicio dos anos setenta (UNEP, 1972) e “desde cedo se definiu como um processo destinado a fazer com que os cidadãos ganhassem consciência do ambiente e adquirissem conhecimentos, competências, valores, motivações e compromissos para participarem e tomarem decisões responsáveis relativamente ao ambiente. (…) Entende-se, em geral, a EA como um processo de aprendizagem permanente que procura incrementar a informação e o conhecimento público sobre os problemas ambientais, promovendo o sentido crítico e a capacidade para intervir civicamente” (L. Schmidt, J. Guerra, 2013). Mais tarde, nasce formalmente, durante a Cimeira da Terra (Rio de Janeiro, 1992), a Educação para o Desenvolvimento Sustentável, tendo tido como ponto de partida a assunção do Desenvolvimento Sustentável como meta global na Assembleia Geral das Nações Unidas de 1987 (M. Freitas, 2006). À semelhança da EA, também esta é transversal e interdisciplinar, inclui a vertente informal e continuada da educação, sendo considerada, desde o início, um elemento estratégico na promoção duma atitude crítica e pró-ativa dos cidadãos relativamente às questões ambientais assim como às várias formas de injustiça social. Passa a ser considerada por organismos institucionais e internacionais (ONU, UNESCO, UNECE, entre outras) um potente instrumento de transformação cultural capaz de reformar ou até de revolucionar o comportamento humano em vista duma ocupação sustentável do planeta que salvaguarde a continuidade da espécie e a qualidade da sua existência.[2] Pudemos, por último, constatar como na Conferência Mundial da UNESCO (Japão, 10-12 Novembro 2014), que concluiu a Década da EDS em 2014, fossem individuados, entre outros, os seguintes compromissos-chave no papel que a educação de qualidade é chamada a desempenhar no futuro:
·         “mudar os comportamentos, alargar a participação dos cidadãos e transformar as práticas sociais coletivas”;
·         potenciar “simultaneamente a cidadania local e global e construir novas comunidades”;
·         melhorar “conhecimentos e a consciencialização, os valores, o empenho e a capacidade de inovação”.

            – Promover então a participação na defesa do espaço público e do ambiente através da EA/EDS?[3] A resposta afirmativa a tal pergunta, como vemos, não deixa espaço a grande  controvérsia. Não só é possível como constitui uma finalidade imprescindível das intervenções de EA/EDS incidir fortemente na promoção de competências e capacidades de cidadania ativa e participativa. No entanto, a pergunta que alimenta hoje o dinâmico debate sobre estas duas perspetivas educativas continua a questionar os “meios” ou ocomo” atingir tal finalidade. Nesse, podemos constatar também como toda a problemática relativa à questão dos “meios” gire em torno à questão dos “fins” e como esta, por sua vez, chame em causa a questão dos “significados” daquilo que se pretende atingir através dum âmbito educativo tão recente, complexo, dinâmico e controverso. Em suma, a crise ambiental é real, a educação é central, a participação necessária, a via é cultural. Como tecer a relação entre estas dimensões?  Uma hipótese. Procedamos por partes.

            O discurso pedagógico acerca da EA/EDS continua aberto e deve procurar uma fundamentação teórica e crítica para as práticas e projetos educativos. Antes de mais, concordamos com a necessidade de construção duma pedagogia ambiental, como proposto por Luigina Mortari, que não prescinda da análise do pensamento ecológico (o qual deu origem ao movimento ambientalista) e que reflita sobre as raízes, as causas e vias da superação da crise da relação entre o homem e a natureza (L. Mortari, 1998). A autora, individua duas correntes do pensamento ambientalista: por um lado, o ambientalismo tradicional-reformador, que sustenta a disposição “cientista” da cultura ocidental, e por outro, o ambientalismo inovador-estrutural.[4] À luz da sua análise e se a pergunta que prevalece for: – “até que ponto a nossa ação educativa é conotada pela “intenção de conseguir uma mudança cultural significativa na direção duma revolução ecológica”? – a nossa ação educativa aderiria, à conceção do ambientalismo inovador-estrutural, sendo esta a única que levaria necessariamente a questionarmo-nos sobre as raízes, causas e vias da superação da crise Homem-natureza, na medida em que é esta que exige uma “reorientação profunda e radical, da disposição cultural ocidental” e que poderia produzir uma “inovação do modo de pensar-sentir-agir em relação à natureza” (L. Mortari, 1998). De facto, segunda a autora, o elemento comum às várias correntes do ambientalismo estrutural passa pela exigência de “repensar os pressupostos da cultura dominante para reconstruir as bases da relação com a natureza”. Tal perspetiva encontra muitos obstáculos à sua concretização pois requer uma “série articulada de intervenções que irão afetar a estrutura social, económica e política sobre a qual se funda a sociedade atual” (L. Mortari, 1998). Concordamos ainda com a pedagoga quando afirma que, ainda assim, seria esta a perspetiva teorética a perseguir na realização de intervenções educativas de EA/EDS que queiram ser socialmente incisivas sem correr o risco de endoutrinação. Para evitarmos de cair em posições utópicas na procura duma reorientação radical “de inovações profundas e de longo alcance, necessárias para lançar as bases dum nova cultura, não se devem, porém, excluir as vias mais suaves, que sem dúvida impedem o agravamento da crise e concorrem para o alcance de soluções a curto prazo.” O que não devemos ignorar é que não podemos reduzir a ação educativa a estas formas de ambientalismo reformador. Para a autora, não basta questionar “o que está a acontecer”. Indagar a questão ambiental implica perguntar o “porquê” de alguns fenómenos. Procurar a raiz da crise ecológica requer assim interrogativos de caráter filosófico, como: “– qual a natureza do ser humano? – qual o seu lugar na ordem natural das coisas? – que tipo de mundo humano consente a plena realização da humanidade de cada individuo?”. Portanto, educar à defesa do ambiente chama em causa a reflexão conjunta e de todos acerca dos “pressupostos metafísicos, epistemológicos, éticos, sociais e políticos que dão forma ao aparato estrutural da cultura ocidental” (L. Mortari, 1998).
           
            Ora, quando confrontados com a realidade da EA/EDS no nosso país (e em muitos outros) constatamos como essa assuma essencialmente uma dimensão educativa centrada na sensibilização para a aquisição de comportamentos “ambientalmente” mais responsáveis e trate “aspectos parcelares da relação do homem com o meio”, como afirma Mário Freitas (M. Freitas, 2006). Um estudo de 2006 revela que “a referência à reflexão sobre valores, à promoção do pensamento crítico, sistemático e complexo e ao estabelecimento de parcerias para o futuro, é inexistente ou muito rara e incipiente.” A predominância dos temas da conservação dos recursos naturais e da gestão dos resíduos (os 3Rs) acabam por dirimir uma abordagem da EA/EDS “centrada na interligação de domínios, na inter-dependência das partes, no todo complexo de que fazemos parte (…) não tendo conseguido resgatar a vocação global de perspectiva educativa critica” (M. Freitas). Relativamente ao espaço de incidência da EA/EDS, alguns estudos recentes, referem a predominância da questão ecológica em detrimento da questão cívica, “deixando na sombra áreas tão importantes para a sustentabilidade como as atividades económicas ou as questões da qualidade de vida”. Além do mais, é evidente uma sobrevalorização do público alvo juvenil e escolar em desfavor do alargamento às famílias e comunidade envolvente em geral (L. Schmidt, J. Guerra, 2013). Revela-se ainda notória a dificuldade de se atuar em rede na implementação dos projetos educativos que se mantêm confinados ao âmbito local, sendo que as “parcerias surgem com pouca expressão” e instituições ligadas a temas cruciais para a sustentabilidade como a “Saúde, o Consumo ou a Solidariedade Social, teimam, no entanto, em ficar de fora de uma EA/EDS demasiado acomodada e delimitada a áreas restritas”. Problemas ambientais do “país real” como os incêndios ou os níveis elevados da poluição dos rios “não constituem tema suficientemente inspiradores para os promotores deste projetos” (L. Schmidt, J. Guerra, 2013).
            Assim, apesar do seu grande contributo, a EA tem-se mantido refém de visões “reducionistas, comportamentalistas, ritualizadas e, em consequência, de características endoutrinantes (Brügger, 2004), típicas do pensamento dominante que pretende criticar” (M. Freitas, 2006). Ainda segundo Mário Freitas, tais limites demonstrados pela EA/EDS devem-se a uma “certa indefinição epistemológico-ética e conceptual (ou, pelo menos, uma incapacidade para assumir as teorizações mais críticas), associada a deficiências metodológicas” (M. Freitas, 2006).
            Tocando mais de perto a questão dos métodos deste âmbito educacional vemos tratar-se aqui da necessidade de promover o pensamento critico, sistémico e holístico através da EA/EDS para se atingirem mudanças significativas do comportamento humano. De acordo com a proposta metodológica “Linkingthinking”, comissionada pela associação ambientalista WWF-Escócia em 2005 e adotada pela UNESCO no âmbito da década para a EDS, tais mudanças podem assumir dois tipos de qualidade que Stephen Sterling designa por: transformação de primeiro grau e transformação de segundo grau. As transformações de segundo grau, ao contrário das primeiras, consideram as transformações das nossas ações enquanto resultado do exame de assunções e valores e onde o significado é transparente e fruto de negociação (S. Sterling, 2005). Trata-se duma distinção extremamente importante uma vez que, sustém o autor, a maior parte da aprendizagem (sobretudo nas escolas) pode ser considerada de primeiro grau, ou seja, que não “muda as crenças, valores e assunções de quem aprende” e onde a preocupação principal se reduz à “transferencia de informação, isto é, aprender sobre as coisas” e visa a eficiência e a eficácia. De forma muito diferente, a mais valia duma aprendizagem focalizada em transformações de segundo grau reside na colocação da questão – “eficiência e eficácia ao serviço do quê?” – e leva a aprender a “fazer melhor” em vista duma finalidade significativa. De acordo ainda com Sterling, esta distinção ajuda a esclarecer a questão das intervenções educativas que pretendem melhorar a qualidade do desempenho que, a nosso ver, influi diretamente na qualidade da participação.  Assim, teríamos que, vista através da perspetiva de primeiro grau, na melhoria da qualidade do desempenho participativo, “a transformação seria gerida, instrumental e direcionada” pela partilha de informação especializada e necessária (considerada tal por quem?) à tomada de decisão. Muito diferente seria assumir uma posição de segundo grau, onde a transformação assumiria uma “dimensão mais participativa e própria na qual se levantariam as questões axiológicas, éticas e relativas à intencionalidade. De modo que, qualquer melhoramento surge do diálogo acerca do próprio significado de melhoramento” (S. Sterling, 2005). Participar requer, a nosso ver, antes de mais a negociação acerca do significado de participação, o envolvimento de todos os cidadãos, assim como o acesso dos mesmos à informação especializada e adequada à negociação de significados.
            Tornando ao contributo de Mário Freitas e para concluir, por agora, não basta pois, como alguns acreditam, que a atual “forma dominante de criar um mundo deva ser simplesmente remodelada, de uma forma que julgam poder apelidar de sustentável, e que preferem definir como sendo a que assegura as necessidades de hoje, garantindo, simultaneamente, as necessidades futuras (sem contudo definir que necessidades são essas)” (M. Freitas, 2006). Construir outros mundos não passa, igualmente, por aderir a posturas contrapostas e radicais. A via alternativa passa sim pela superação das dicotomias à qual só uma postura crítica e reflexiva poderá abrir caminho. Ainda segundo o autor, o problema das significações não é um problema deste ou daquele tipo de abordagem educativa. É sim um “problema de essência humana” e por isso, no âmbito da EA/EDS “importa travar uma luta pelo significado desses termos e dos conceitos que eles designam” (M. Freitas, 2006) e a partir dessa, acrescentamos nós, conseguir as transformações efetivas para um bem-estar comum (também para os que hão-de vir) que assente em princípios partilhados e que sejam capazes de dar forma a uma ideia de sustentabilidade coconstruida.


[1]          Vejam-se os vários relatórios internacionais sobre o estado do planeta como o Millenium Ecosystem Assessment Synthesis Report, 2005; Living Planet Report, WWF, 2014, entre outros).
[2]          Vejam-se, por exemplo, as recomendações da IALEI, a aliança internacional para a investigação e excelência no âmbito das práticas e políticas educativas, no seu relatório sobre a EDS e alterações climáticas, Climate Change and Education for Sustainable Development (ESD), 2009.
[3]   Gostaríamos de precisar que não entraremos aqui no mérito do fértil debate acerca da hegemonia ou das inter-ligações entre estas duas perspectivas educativas (EA e EDS) optando por colher apenas o que, sem dúvida, as acomuna para os fins do que aqui nos propomos. Optamos, por isso, daqui em diante, pelo termo Educação Ambiental e para o Desenvolvimento Sustentavel (EA/EDS). Efetivamente, para Arjen Wals ambas consideram a educação e a aprendizagem centrais na “reorientação de estilos de vida, comunidades e, em última instância, das sociedades e dos valores nos quais essas assentam, na direção que permitirá ao planeta de continuar indefinidamente com os seres humanos enquanto habitantes permanentes entre muitas outras espécies” (A. Wals, 2012).
[4]   Não excluímos aqui todas as outras possibilidades de agrupar as várias tendências ecológicas avançadas por diversos autores e que consideram diferentes blocos interpretativos (veja-se, por exemplo, Mortari, 1998), assim como a distinção muito abrangente em Deep e Shalow Ecology.